domingo, outubro 21, 2012

Capítulo


Foi quando se viu encurralado pela última vez. Não que tivesse sido a vez final, apenas mais  uma, a última até então. Esperava ele que fosse assim, pelo menos, se saísse dali, com mais ou menos graciosidade, a plumagem de vitória pareceria apenas uma árvore quase desfolhada.  Antes poucas folhas que nenhuma, afinal de contas o Outono é o equivalente aos dias de escolha que temos durante a vida. Atrevo-me a concluir então que o Outono é mesmo semelhante à vida, neste caso ainda mais acinzentado, a chamar chuva, a pedir chuva.
            O Sol é quase blasfemo para quem odeia a vida, tal como a época em que ele aparece, é um encanto tão naturalmente forçado que é maçador. Tudo perde o mistério, as ruas parecem todas amarelas e laranjas, os homens mostram as barrigas, as mulheres bonitas perdem o mistério e tornam-se apenas objetos intocáveis, séries de curvas dérmicas de presumível prazer e perdição, mas sem qualquer mistério. Sem nuvens, sem Outono. O Verão não tem Outono e é por isso que é uma merda.
O barulho dentro do autocarro era infernal, mas a orquestra amotinada na sua cabeça era mais audível que qualquer desgraça, não seja ela uma desgraça também. Alheado dos encontrões e da aceleração citadina, voltou com o rabo à cadeira por dois dedos de tempo. “Quem é esta gente? Para onde vão? Qual é a sua história? Que cara de mim observam elas?”. Cara. Era um conceito interessante para ele, olhava-se ao espelho e questionava-se se as outras pessoas viam a mesma cara. Interessava-lhe estabelecer uma dinâmica ou um postulado, cientificamente comprovado, sobre a matéria. «A cara que vemos é a cara que os outros vêm?». Não era pretensioso, nem metafísico, nem filosófico, era tão simples quanto a frase que define a ideia. Tal como tentar perceber o Big Bang, e aquele pequeno pormenor que sempre o incomodou, de que para não haver nada tinha que haver algo, existia este problemas das caras. Não sabia se a sua cara era a que era vista pelos restantes, o que eles achavam dela. Porque seria um ser tão repugnante para o sexo oposto sem qualquer escolha, dado que o fora é aleatório. Esperava, durante essa viagem de autocarro até à entrevista, poder observar a cidade, como gostava. Pensou até em sair paragens antes para ir a pé, algo que lhe enchia os pulmões do ar dos outros. Mas, para variar, absorveu-se em ideias próprias e salteadas de acontecimentos: reais e imaginários, possíveis e impossíveis.