domingo, dezembro 23, 2012

Opções


A percepção da irreversibilidade pessoal, além de complicada, claro, revela-se fatalmente opcional quando espelhada. As escolhas podem parecer passíveis de opção
mas é opcional apenas para os habilitados. Este inverno pensei que ia morrer.  E agora não sei, talvez as máscaras durem até antes do carnaval forçado e foçado das minhas tentativas utópicas de juntar almas.

terça-feira, dezembro 18, 2012

dormência


Prolifera-se pelo meu estado de exaustão mental  um disfunção já relíquia e, claro, não levantada, de tudo o que possa ser e ver. A doença não é mais do que uma visão cheia e mortífera, ao contrário dos pequenos deslizes vislumbrescos, em que a fatalidade óbvia e redundante suga para si em remoinho toda a felicidade do meu corpo. É por isso que ela não existe. Minha alma assiste de fora, inútil, gozando com o meu corpo, masturbando-se para cima dele com desdém e mais maldade do que prazer. Vejo-me bem de fora. Venho-me, se assim for preciso, dos dois lados, sem nada que me ignore, dado que nada me toma atenção e nada cresce, desde a pila ao coração. A dormência define-se como a morte e o conhecimento dela em vida, carregando-a as costas como uma camisola em dia de calor, por querer, só para disfarçar, bronzear os braços. Dormência é estar aqui sentado. Dormência é tudo cheirar mal. Dormência é só eu ver o meu sémen  Morte não é dormência, morte é morte, mas adormecido estou pela morte certa em vida de todos os meus projectos mentais e manuais. A dose certa na veia de que nada acontecerá. Uma moca sem drogas, a não ser o desespero.

domingo, dezembro 16, 2012

Costureiro


Encontro-me aborrecido
comigo
encontro-me sempre em casa
com facas a escorrerem nos tecidos do corpo
sempre com linhas e agulhas a coser a boca
os  olhos
a pila
a alma
dói
mas momentaneamente
tenho que me coser
não nasci para a costura
fica tudo mal arranjado
salta sangue e esperma por todo o lado
dói
mas momentaneamente
tenho que me coser
andar aos remendos
cortar pele daqui e por ali
sem anestesiar
não dói mais do que me encontrar

Mladic


Qualquer aventura na tentativa de descobrir a vocação de um para algo é completamente inútil quando leva com autocarros em cima, e pedaços de casas, atirados pelo furacão fora.  Demasiado barulho para alguém saber de si, ou dos outros, uma assexuação em centrifugação que vai daqui ao oriente do planeta e acalma para nos deixar surdos e exaustos, mas com a sensação se que apesar de longa, a viagem podia ter sido maior, mas nunca melhor. Diferente.

Acabaram as palavras

Acabaram as palavras, uso sempre as mesmas e isso enerva-me. Tudo me enerva, aliás o facto de estar a dizer que isto me enerva me deixa possesso. Estou no limbo da morte intelectual, não em termos presunçosos, mas apenas do normal funcionamento de uma cabeça. A ansiedade toma controlo de corpo e alma e nem um nem outro, nem juntos, conseguem manter-se a tona do líquido de desespero. Talvez deva ler dicionários, talvez deva atirar-me para a frente de um comboio de mercadorias ou duma ponte bem alta, talvez não exista, talvez esteja a chegar a altura de perceber que em vão é em vão. Quantas mãos já foram ? Boas tentativas sem dúvidas, dos outros. Tu ? Acabaram-te as palavras e isso deixa-te no desespero  o pior sentimento inventado pelo que habita o interior de mim. Sufocar significa não deixar respirar, e o meu expirar esbarra nas correntes subidas do desespero e enche enche enche enche enche. Mas pior que tudo, não tenho mais palavras.

quinta-feira, dezembro 13, 2012

Bicicleta do filho da puta


Um batalhão de ideias fugazes e feias, brilhantes e impossíveis  que me passa pela puta da cabeça, não me deixa estar sossegado. Penso em mim, no meu pequeno circulo de ódio e justaposição de opiniões que são ruas com um sentido e sem saída, com portões a fecharem-se a cada passo. Círculos e rodas, círculos e rodas, é uma responsabilidade tremenda cuidar de um ser humano, e neste caso é uma responsabilidade tremenda cuidar de mim. Foda-se, há gente estúpida o suficiente para tudo, até para gostar de mim, para me amar, e na minha roda odiosa eu tenho que os respeitar. A minha responsabilidade passa a ser para com eles e é para com eles. Não há fora da rodinha, não há cá pensar em mim. Mas só há pensar em mim, e é quase como uma auto-satisfação sem fluidos, para mim, sentir dor, ódio e saber que já não sou. Existo em despojos das frases dos outros, a mente tão bloqueada que só sirvo para ouvir. Desaprendi a falar, desaprendi a comunicação, desaprendi coisas que se calhar nunca aprendi. Ninguém me ensinou a gostar de mim, e puder, só eu o podia fazer. Quem tenta só sai ao lado. Torno as pessoas melhores por as fazer sofrer as minhas mãos como se não houvesse mais realidade. A real e feliz verdade, que acho sinceramente feliz, acredite-se, é o tornar pessoas melhores, mais felizes, mais altas por dentro, mais bonitas por todos os poros. Fora do meu circulo de ódio, como uma bolha da qual se tenta fugir, torno os outros melhores. O custo é relativo, o amor passar a ódio. Odeiem-me, só vos quero ver bem. Não gosto de mim mas gosto de vocês. É como exercício físico, há que ir abaixo para crescer. Comigo é assim, sofre-se para se sair mais forte, e finalmente reconhecer-me como um verme parasita. Que seja esse o preço para que boa gente se torne melhor gente. Eu já tenho a minha rodinha de bicicleta, parada. As máscaras estão a morrer, e esse é o problema, a máscara da felicidade escarrada da minha cara, para o chão, verde e nojenta. A falsidade é bela porque a minha beleza é falsa e sai directamente aos olhos dos outros, independentemente de quem vocês sejam. As máscaras morrem quando o dono cessa de existir, de ter vontade, de afagar essa eterna monstruosidade, outrora mais longa e intemporal, de fingir. Sei quem sou. Onde sou e como. Derreto por dentro, como um quadro a escorrer, tinta a levar com chuva. Um grandessíssimo e inútil filho da puta. A minha bicicleta não anda, a correia saltou, não tem buzina, é um brinquedo partido, pequeno, à espera de ser posto para abate nos vestígios do caixote do lixo. Dos outros e principalmente no meu. Ainda ando com rodinhas, rodinhas de ódio, círculos que são só isso, círculos, sem entrada ou saída. As rodinhas da minha bicicleta não tocam o chão e são inuteis, sendo as únicas na bicicleta sem travões a descer para o poço. Inútil. Enorme. Como eu. Um grandessíssimo e inútil filho da puta !

Perdi todos os laços, vês ?


Perdi todos os laços, vês ? tudo o que me ligava aos outros, e que nunca me ligou a mim. Nos ouvidos trago sempre sons do que não criei. Nos pelos que arranco do corpo trago imagens do inimaginável que me ocorre por dentro da retina, nos sonhos dos sonhos impossíveis e da negação do ser. O futuro. Os sonhos. O que nunca vai acontecer. A realidade passa-me as mãos, não de uma forma suave, como areias, mas como pequenas agulhas que me fazem jorrar sangue e me deformam os nervos e a carne e o odor e o sexo, e o odor a sexo, e o sexo que não existe. E a única fertilidade em mim é ruim, talvez de nome, por ser graça de fácil execução, ou por abanão dos órgãos másculos que de homem nunca terei nada a não ser um nome, e tudo tem um nome, e se tudo tem tudo tudo é tão banal. Como a vida e o mundo têm tudo e se tornam banais e o tédio te sobe e desce como uma necessidade fisiológica incontrolável. Desabotoarei todas as camisas, se para tantas mangas terei braços ensanguentados e mãos atrozes, cheias de agulhas. Dor física. Escorre-me sangue na ponta dos cotovelos até ao chão, hei-de falecer assim, lentamente, com os ouvidos cheios do que nunca criei.
Adoro a paixão e a não-paixão, ao ponto de sentir um extremo e não saber qual é. Não me conheço e não parto o pescoço, porque visto camisas novas todos os dias. Fora. Tecidos. Coisas que escolho, para me mostrar ou esconder, não sei. Mas sei quem sou mesmo não sabendo, porque não sabendo sei que tenho essa noção.

segunda-feira, dezembro 10, 2012

separação própria


A neve cai te do céu para os ossos envoltos em carne
o gelo pelo gelo não é de todo um calmante
muito menos para ti
e arde arde arde arde
o processo de própria separação ainda não existe
eu gostaria de o inventar
é uma merda estar-se sozinho com a pessoa que mais se odeia
separação própria quer do corpo quer da alma
não funcionam em simultâneo e ai de ti que penses isso
ai de mim
ai de nós
o que funciona em simultâneo afinal ?
nem a neve cai certa nem as labaredas queimam em esquadria
porém balançam no teu estômago como dois faróis sempre acesos
que amparam uma batalha naval e pólvora – dentro de ti
a posição arbitrária e de vontade de separação
faz-te levar com os estilhaços todos
rebentas por dentro e para dentro
uma separação própria de todo o ser
ser interno
abre os olhos fecha os olhos
abre os olhos fecha os olhos
 não há factores externos a influenciarem a tua política interna
fecha os olhos
enconsta os carris a testa
luz encandeante nas palpebras fechadas – à falta de melhor opção
à falta de uma separação própria.
testa ardente
ardor
a dor
já passou para sempre

domingo, dezembro 09, 2012

estrelas

Olha para  as estrelas antes de passares a porta
que belas
e não te esqueças que elas te lembram o sofrimento
por não veres felicidade alguma
o desespero é só uma forma de estar
que agora já é
foi
continuará
olha para cima e vê as estrelas
são belas
como querias ser uma e não existir sendo mais uma
e como continuas a existir sendo só mais um
a morte não te parece próxima
nem te é inerente
é só um dado adquirido
com o azul a seguir aos pontinhos brilhantes
se em vez de lágrimas
mirasses o céu