Um batalhão de ideias fugazes e
feias, brilhantes e impossíveis que me passa pela puta da cabeça,
não me deixa estar sossegado. Penso em mim, no meu pequeno circulo de ódio e
justaposição de opiniões que são ruas com um sentido e sem saída, com portões a
fecharem-se a cada passo. Círculos e rodas, círculos e
rodas, é uma responsabilidade tremenda cuidar de um ser humano, e neste caso é
uma responsabilidade tremenda cuidar de mim. Foda-se, há gente estúpida o
suficiente para tudo, até para gostar de mim, para me amar, e na minha roda
odiosa eu tenho que os respeitar. A minha responsabilidade passa a ser para com
eles e é para com eles. Não há fora da rodinha, não há cá pensar em mim. Mas só
há pensar em mim, e é quase como uma auto-satisfação sem fluidos, para mim,
sentir dor, ódio e saber que já não sou. Existo em despojos das frases dos
outros, a mente tão bloqueada que só sirvo para ouvir. Desaprendi a falar,
desaprendi a comunicação, desaprendi coisas que se calhar nunca aprendi.
Ninguém me ensinou a gostar de mim, e puder, só eu o podia fazer. Quem tenta só
sai ao lado. Torno as pessoas melhores por as fazer sofrer as minhas mãos como
se não houvesse mais realidade. A real e feliz verdade, que acho sinceramente
feliz, acredite-se, é o tornar pessoas melhores, mais felizes, mais altas por
dentro, mais bonitas por todos os poros. Fora do meu circulo de ódio, como uma
bolha da qual se tenta fugir, torno os outros melhores. O custo é relativo, o
amor passar a ódio. Odeiem-me, só vos quero ver bem. Não gosto de mim mas gosto
de vocês. É como exercício físico, há que ir abaixo para crescer.
Comigo é assim, sofre-se para se sair mais forte, e finalmente reconhecer-me
como um verme parasita. Que seja esse o preço para que boa gente se torne
melhor gente. Eu já tenho a minha rodinha de bicicleta, parada. As máscaras
estão a morrer, e esse é o problema, a máscara da felicidade escarrada da minha
cara, para o chão, verde e nojenta. A falsidade é bela porque a minha beleza é
falsa e sai directamente aos olhos dos outros, independentemente de quem vocês
sejam. As máscaras morrem quando o dono cessa de existir, de ter vontade, de
afagar essa eterna monstruosidade, outrora mais longa e intemporal, de fingir.
Sei quem sou. Onde sou e como. Derreto por dentro, como um quadro a escorrer,
tinta a levar com chuva. Um grandessíssimo e inútil filho
da puta. A minha bicicleta não anda, a correia saltou, não tem buzina, é um
brinquedo partido, pequeno, à espera de ser posto para abate nos vestígios do
caixote do lixo. Dos outros e principalmente no meu. Ainda ando com rodinhas,
rodinhas de ódio, círculos que são só isso, círculos, sem entrada ou saída. As
rodinhas da minha bicicleta não tocam o chão e são inuteis, sendo as únicas na
bicicleta sem travões a descer para o poço. Inútil. Enorme. Como eu. Um grandessíssimo e inútil filho
da puta !