domingo, dezembro 23, 2012

Opções


A percepção da irreversibilidade pessoal, além de complicada, claro, revela-se fatalmente opcional quando espelhada. As escolhas podem parecer passíveis de opção
mas é opcional apenas para os habilitados. Este inverno pensei que ia morrer.  E agora não sei, talvez as máscaras durem até antes do carnaval forçado e foçado das minhas tentativas utópicas de juntar almas.

terça-feira, dezembro 18, 2012

dormência


Prolifera-se pelo meu estado de exaustão mental  um disfunção já relíquia e, claro, não levantada, de tudo o que possa ser e ver. A doença não é mais do que uma visão cheia e mortífera, ao contrário dos pequenos deslizes vislumbrescos, em que a fatalidade óbvia e redundante suga para si em remoinho toda a felicidade do meu corpo. É por isso que ela não existe. Minha alma assiste de fora, inútil, gozando com o meu corpo, masturbando-se para cima dele com desdém e mais maldade do que prazer. Vejo-me bem de fora. Venho-me, se assim for preciso, dos dois lados, sem nada que me ignore, dado que nada me toma atenção e nada cresce, desde a pila ao coração. A dormência define-se como a morte e o conhecimento dela em vida, carregando-a as costas como uma camisola em dia de calor, por querer, só para disfarçar, bronzear os braços. Dormência é estar aqui sentado. Dormência é tudo cheirar mal. Dormência é só eu ver o meu sémen  Morte não é dormência, morte é morte, mas adormecido estou pela morte certa em vida de todos os meus projectos mentais e manuais. A dose certa na veia de que nada acontecerá. Uma moca sem drogas, a não ser o desespero.

domingo, dezembro 16, 2012

Costureiro


Encontro-me aborrecido
comigo
encontro-me sempre em casa
com facas a escorrerem nos tecidos do corpo
sempre com linhas e agulhas a coser a boca
os  olhos
a pila
a alma
dói
mas momentaneamente
tenho que me coser
não nasci para a costura
fica tudo mal arranjado
salta sangue e esperma por todo o lado
dói
mas momentaneamente
tenho que me coser
andar aos remendos
cortar pele daqui e por ali
sem anestesiar
não dói mais do que me encontrar

Mladic


Qualquer aventura na tentativa de descobrir a vocação de um para algo é completamente inútil quando leva com autocarros em cima, e pedaços de casas, atirados pelo furacão fora.  Demasiado barulho para alguém saber de si, ou dos outros, uma assexuação em centrifugação que vai daqui ao oriente do planeta e acalma para nos deixar surdos e exaustos, mas com a sensação se que apesar de longa, a viagem podia ter sido maior, mas nunca melhor. Diferente.

Acabaram as palavras

Acabaram as palavras, uso sempre as mesmas e isso enerva-me. Tudo me enerva, aliás o facto de estar a dizer que isto me enerva me deixa possesso. Estou no limbo da morte intelectual, não em termos presunçosos, mas apenas do normal funcionamento de uma cabeça. A ansiedade toma controlo de corpo e alma e nem um nem outro, nem juntos, conseguem manter-se a tona do líquido de desespero. Talvez deva ler dicionários, talvez deva atirar-me para a frente de um comboio de mercadorias ou duma ponte bem alta, talvez não exista, talvez esteja a chegar a altura de perceber que em vão é em vão. Quantas mãos já foram ? Boas tentativas sem dúvidas, dos outros. Tu ? Acabaram-te as palavras e isso deixa-te no desespero  o pior sentimento inventado pelo que habita o interior de mim. Sufocar significa não deixar respirar, e o meu expirar esbarra nas correntes subidas do desespero e enche enche enche enche enche. Mas pior que tudo, não tenho mais palavras.

quinta-feira, dezembro 13, 2012

Bicicleta do filho da puta


Um batalhão de ideias fugazes e feias, brilhantes e impossíveis  que me passa pela puta da cabeça, não me deixa estar sossegado. Penso em mim, no meu pequeno circulo de ódio e justaposição de opiniões que são ruas com um sentido e sem saída, com portões a fecharem-se a cada passo. Círculos e rodas, círculos e rodas, é uma responsabilidade tremenda cuidar de um ser humano, e neste caso é uma responsabilidade tremenda cuidar de mim. Foda-se, há gente estúpida o suficiente para tudo, até para gostar de mim, para me amar, e na minha roda odiosa eu tenho que os respeitar. A minha responsabilidade passa a ser para com eles e é para com eles. Não há fora da rodinha, não há cá pensar em mim. Mas só há pensar em mim, e é quase como uma auto-satisfação sem fluidos, para mim, sentir dor, ódio e saber que já não sou. Existo em despojos das frases dos outros, a mente tão bloqueada que só sirvo para ouvir. Desaprendi a falar, desaprendi a comunicação, desaprendi coisas que se calhar nunca aprendi. Ninguém me ensinou a gostar de mim, e puder, só eu o podia fazer. Quem tenta só sai ao lado. Torno as pessoas melhores por as fazer sofrer as minhas mãos como se não houvesse mais realidade. A real e feliz verdade, que acho sinceramente feliz, acredite-se, é o tornar pessoas melhores, mais felizes, mais altas por dentro, mais bonitas por todos os poros. Fora do meu circulo de ódio, como uma bolha da qual se tenta fugir, torno os outros melhores. O custo é relativo, o amor passar a ódio. Odeiem-me, só vos quero ver bem. Não gosto de mim mas gosto de vocês. É como exercício físico, há que ir abaixo para crescer. Comigo é assim, sofre-se para se sair mais forte, e finalmente reconhecer-me como um verme parasita. Que seja esse o preço para que boa gente se torne melhor gente. Eu já tenho a minha rodinha de bicicleta, parada. As máscaras estão a morrer, e esse é o problema, a máscara da felicidade escarrada da minha cara, para o chão, verde e nojenta. A falsidade é bela porque a minha beleza é falsa e sai directamente aos olhos dos outros, independentemente de quem vocês sejam. As máscaras morrem quando o dono cessa de existir, de ter vontade, de afagar essa eterna monstruosidade, outrora mais longa e intemporal, de fingir. Sei quem sou. Onde sou e como. Derreto por dentro, como um quadro a escorrer, tinta a levar com chuva. Um grandessíssimo e inútil filho da puta. A minha bicicleta não anda, a correia saltou, não tem buzina, é um brinquedo partido, pequeno, à espera de ser posto para abate nos vestígios do caixote do lixo. Dos outros e principalmente no meu. Ainda ando com rodinhas, rodinhas de ódio, círculos que são só isso, círculos, sem entrada ou saída. As rodinhas da minha bicicleta não tocam o chão e são inuteis, sendo as únicas na bicicleta sem travões a descer para o poço. Inútil. Enorme. Como eu. Um grandessíssimo e inútil filho da puta !

Perdi todos os laços, vês ?


Perdi todos os laços, vês ? tudo o que me ligava aos outros, e que nunca me ligou a mim. Nos ouvidos trago sempre sons do que não criei. Nos pelos que arranco do corpo trago imagens do inimaginável que me ocorre por dentro da retina, nos sonhos dos sonhos impossíveis e da negação do ser. O futuro. Os sonhos. O que nunca vai acontecer. A realidade passa-me as mãos, não de uma forma suave, como areias, mas como pequenas agulhas que me fazem jorrar sangue e me deformam os nervos e a carne e o odor e o sexo, e o odor a sexo, e o sexo que não existe. E a única fertilidade em mim é ruim, talvez de nome, por ser graça de fácil execução, ou por abanão dos órgãos másculos que de homem nunca terei nada a não ser um nome, e tudo tem um nome, e se tudo tem tudo tudo é tão banal. Como a vida e o mundo têm tudo e se tornam banais e o tédio te sobe e desce como uma necessidade fisiológica incontrolável. Desabotoarei todas as camisas, se para tantas mangas terei braços ensanguentados e mãos atrozes, cheias de agulhas. Dor física. Escorre-me sangue na ponta dos cotovelos até ao chão, hei-de falecer assim, lentamente, com os ouvidos cheios do que nunca criei.
Adoro a paixão e a não-paixão, ao ponto de sentir um extremo e não saber qual é. Não me conheço e não parto o pescoço, porque visto camisas novas todos os dias. Fora. Tecidos. Coisas que escolho, para me mostrar ou esconder, não sei. Mas sei quem sou mesmo não sabendo, porque não sabendo sei que tenho essa noção.

segunda-feira, dezembro 10, 2012

separação própria


A neve cai te do céu para os ossos envoltos em carne
o gelo pelo gelo não é de todo um calmante
muito menos para ti
e arde arde arde arde
o processo de própria separação ainda não existe
eu gostaria de o inventar
é uma merda estar-se sozinho com a pessoa que mais se odeia
separação própria quer do corpo quer da alma
não funcionam em simultâneo e ai de ti que penses isso
ai de mim
ai de nós
o que funciona em simultâneo afinal ?
nem a neve cai certa nem as labaredas queimam em esquadria
porém balançam no teu estômago como dois faróis sempre acesos
que amparam uma batalha naval e pólvora – dentro de ti
a posição arbitrária e de vontade de separação
faz-te levar com os estilhaços todos
rebentas por dentro e para dentro
uma separação própria de todo o ser
ser interno
abre os olhos fecha os olhos
abre os olhos fecha os olhos
 não há factores externos a influenciarem a tua política interna
fecha os olhos
enconsta os carris a testa
luz encandeante nas palpebras fechadas – à falta de melhor opção
à falta de uma separação própria.
testa ardente
ardor
a dor
já passou para sempre

domingo, dezembro 09, 2012

estrelas

Olha para  as estrelas antes de passares a porta
que belas
e não te esqueças que elas te lembram o sofrimento
por não veres felicidade alguma
o desespero é só uma forma de estar
que agora já é
foi
continuará
olha para cima e vê as estrelas
são belas
como querias ser uma e não existir sendo mais uma
e como continuas a existir sendo só mais um
a morte não te parece próxima
nem te é inerente
é só um dado adquirido
com o azul a seguir aos pontinhos brilhantes
se em vez de lágrimas
mirasses o céu 

quarta-feira, novembro 28, 2012

Nervos Pleonásticos


Nervos
criação
redundante
pleonasmo
fumo
sémen
falta de controlo
soro
tu és
acalmante quando estás
mas agora és só uma criação
redundante
de nervos.

Inutilidade Bruta


Olho-me em vão sentado do sofá onde estaria se não me estivesse a ver
tento perceber como seria não sentir
não me enxaguar de miséria interior
da falta de reacção líquida

Ver tudo como tudo ou nada e não sentir como nada
atribuindo a uma qualquer falta de esperança a causa de tudo o que é

Inutilidade bruta em mental
borboletas transformadas em ulceras que se reproduzem a cada poça de sangue
poça de água
poça de nada
desvio da estrada
onde vinha a mente e não os sapatos
pois não tenho pernas para mexer sonhos quando acordo.

O peso
a erecção fácil e a explosão
destruição do carácter infímo da minha pessoa quando atiro os pés ao chão para nada
espírito que não é são
nem estável nem que o fosse
carrossel acima carrossel abaixo

Garganta estômago
estômago garganta

Vertigem


Vertigem
tremeliques da mão que fuma
por ti
por não chegar a tremer por ti
com o total conhecimento – meu e teu
de que sabemos os dois.

A que sabemos os dois?
paladares distintos
presas que embatem como bestas a marcar território

Não é cair
nem o medo de
ms sim a vontade de te atirares do alto
mesmo que te apanhe és a noite
como é que se agarra algo tão enorme?

cá de cima os trombones tocam mais alto
o fumo do cigarro entra nos olhos e só vês meio mundo
meio tu meio eu

o que aconteceu
na vertigem esfumaçada?

terça-feira, novembro 27, 2012

Aberto

Abrir em palavras pode ser tenso
propenso a forçar - as letras
começar pode ser só começar
querer libertar
para os outros para ti para mim
estás agora aberto
para o bem e para o mal
para cuspir em ti todo o tédio
infernal
que é a parafernália barafustada
do que existe - onde se inclui o que eu acho
que exista
onde fui e onde infelizmente não estive
um atirador furtivo
com corpo de pavão
e disparos às linhas do ar
dos comboios
das mulheres
deste caderno

Saudações
estás (estamos)
aberto (s)

sexta-feira, novembro 23, 2012

Castigo


Em cimento paradoxalmente bucólico,
pula de pés atados.
Sob a sombra de folhas a desverdear,
é castigado.
Na mistura do que se tornou tudo,
nas filas de espera do resto do mundo,
no bombardeio longínquo de fome e de vida,
é punido.
Não culpa o mundo,
não se sente melhor por haver pior,
não se sente pior por haver pior.
Entretanto já explodiram a fome a e a vida.
Está o sol e o cimento quente e os pés atados.
Castigo.
Tem sede.
Reconhece que além de suor e lágrimas deixa também vida a cada pulo.
E a estrada tão comprida com sol quente
mudará para um céu belo de morte,
estrelado,
Mas que não lhe matará a fome nem desatará os pés.

Os dias vão passando,
perde lágrimas, suor e vida.
Só ganha fome,
que o espírito já não engana com as estrelas à noite.

Já sente a morte nos tornozelos.

Mas porque raio não usa ele as mãos para libertar os pés?

Tabaco Para (os) Dois


Lar­­ga–lhe o fogo.
Imola-te na tua impotência.
Imagina-as sem roupa,
imagina-os despidos.
O que é uma noite de nunca esquecer e sempre sentir,
comparado com meses de amarras mal atadas.
Mordaças atiradas ao longe.
Tens boa pontaria.
Pousa o tabaco que isso mata,
mata o tempo de estarmos antes de podermos fumar.
É preferível sermos os dois fumo.
Estraguemos pulmões então,
suspira comigo para fumarmos depois.

quinta-feira, novembro 22, 2012

Não Me Sinto À Vontade Contigo


Não me sinto à vontade,
não me sinto à vontade contigo,
irritas-me.
Sem qualquer propósito ou pressuposto,
sem limitações de pensamentos e alucinações sem sentido.
De que te vale que os cavalos tenham guelras ?
Que os homens tenham gavetas, o que tens ?
Tiram as meias dos pés sujos para o chão,
sempre para o chão.
Cheios de merda, e eles feitos de merda e um par de tecido multiplicado por merda.
Irrito-te porque sou uma merda, ou achas que tenho peúgos brancos ?
Pano branco é martírio e morte certa,
basta pisares a rua e pisas sangue.
Asseguro-te que com sanguessugas gigantes a treparem-te pelas pernas
não consegues beber a tua cerveja nem fumar o teu cigarro.
Enrola um charro.
Aparece, desaparece, aparece, desaparece.
Afinal era real ?
Estranhamente não é diferente?
Intoxicação para nada.
Eu explico:
O gargalo da lixívia a boca e ela queima-te logo a língua para começar.
Não podes falar.
Desce e queima-te o resto,
não respiras, não arfas, não ladras.
NÃO FAZES NADA.
Alteração sensorial completamente fodida e despropositada,
mas mesmo assim não uses meias brancas,
as sanguessugas fodem-te todo.
E na rua toda a gente te vai olhar de lado e soltar os cães,
que acredita que,
bem, mas bem len-ta-men-te…
ferrarão os seus tira carne na tua garganta bem devagar,
para rasgar devagar,
como as pontes que fizemos na terra e na água,
ou só na terra,
ou só na água,
escolhe,
eu cozinho.
Sai-me da frente, irritas-me.
Baixa à cabeça, são só estilhaços,
tens que te baixar deles.
Eu baixo-me dos meus e dos teus e tu dos teus e dos meus,
combinado ?
Mas não uses tecido branco, peço-te mais uma vez.
E baixa-te, já te avisei.
Agora somos dois, ou mais não sei quantos.
Porra, não me irrites, baixa-te,
são só estilhaços,
como vão ser as pontes que fizemos.
Não me sinto à vontade,
trazes-me um copo de água?
Mas desta vez sem bichos mortos e olhos de pessoas baços.
Perdoa-me ser mesquinho,
mas não gosto de olhos já baços,
é mais giro arrancá-los e come-los ainda frescos,
na transição entre pré-morte e morte.
Irritas-me.
Vais sair assim de meias brancas?
As sanguessugas vão te arrancar os olhos antes de mim,
mas eu vou encontrá-los para os morder.
Acredita.

Cidades Ardem


Carros que passam e ninguém os conduz.
Ninguém está lá dentro e ninguém existe.
O sol mal se levantou e já entristece com a falta de vida e o pavimento fechado em copas.
Nada mostra os dentes,
não há vida nas rodas, nas pessoas,
no amor do amor.
Elefantes gigantes tombam e voam sobre ninguém,
por cima de carros vazios.
Bestas gigantes e fulgorosas apanham o não olhar de quem vê o que quer,
e não o que queria mesmo, mesmo, mesmo, mesmo, mesmo...ver.
As cidades estão já a arder,
o tijolo dos prédios cai e confunde-se com os cadáveres,
nada existe, ninguém vê, ninguém sabe.
Quem estará aí? Quem existe?
(Além de deus, claro, que não existe)
Oh, eu. Onde morri.
Talvez onde todos também desapareceram,
no lugar em que os elefantes só pisavam.
Passa por mim alguém com um braço.
Não existe (nem o braço, nem a pessoa).
Passam a correr, apanham o fogo na roupa e correm até morrer.
De cansaço.
Pelo fogo mas com falta dele.

Rodas


Roda, muda, gira.
Sai um dia e  entra outro,
entre outros sou um aborto.
Um puro descarrilamento de vida logo à partida,
de vísceral punho desenfreado sempre a bater a mesma estrada,
a comer o mesmo pó.
Rodas e rodas no mesmo sítio,
com um tornado de pó a coçar a retina,
com a vassoura sozinha,
um pontapé ao escuro no que não muda.

A deliberação é confusa e autónoma,
como os esguichos através da pele,
de vida.
E os ossos quebrados e rasgados por paus e tornados de pó,
quando só há… só.

quarta-feira, novembro 21, 2012

Sangue


É só mais um dia,
são só coisas.
Algo que se manifesta por não acordares,
suma violação da cuidada e delicada virgindade do teu nó.
Se não desatas a relação não resulta.
Não, não, nada amoroso.
Vicissitudes do amor próprio imaginado em outrém,
do ódio (real) por ti mesmo a esfaquear-te a toda a hora.
Ai! Sangue.
Significa que estás vivo?
Ou que estás a morrer?

A Cor das Coisas


Se não estiveres sozinho com os outros, estás fodido. Se estiveres só sozinho, ou só com os outros, mais fodido estás. Acredita. Isto não é preto nem branco, e se te tentarem impingir que a relação entre duas, três, ou cinquenta pessoas,  funciona só no preto e no branco, estão-te a enrolar numa bela tanga.  Nada, mas nada, funciona a preto e branco, nada é um ou dois, tudo ou nada, este ou aquele. E agora que leste este parágrafo pensas: “Ya, este otário tem razão, o mundo é realmente muito cinzento”.  Não, responderei eu, continuas totalmente errado. As cores, os pretos, os vermelhos, os brancos, os azuis, são só características inócuas das coisas, um monocromático de propósito só para não ser tudo monocromático de raciocínio mas com várias cores para os olhos. As cores da vida, do amor, das relações, não têm nada a ver com isso. De tintas estamos todos fartos.
Acontece que na realidade o coração também não gosta sempre igual, mesmo que goste muito, mesmo que lute com o topo do teu corpo pelo controlo dos teus nervos, dos teus ossos, do suor frio daquela paixão arrebatadora ou da colega de escola que te dá tesão. A cabeça não manda sempre o mesmo, nada obedece sempre igual. E o teu espírito  meu amigo, o teu espírito não existe, pelo simples facto de existir, e ser a coisa mais corruptível do universo, por mais que o negues. O teu espírito, a tua alma, a tua consciência, o teu grilo, se por acaso fores feito de madeira, é a coisa mais maledicente da tua vida, aquilo com que menos podes contar, o que vai atraiçoar todas as ligações físicas que fazem o sangue correr-te nas veias e manter-te vivo, e ao teu espírito, sem vos tocar.
As  relações não são cinzentas, o amor não é insolúvel, o sémen não é incolor.
As relações são da cor do sexo, mesmo que nunca saiba a sua cor.
O sexo é da tua cor. Da vossa cor.
Tudo o que em ti não é físico é a tua cor. A tua cor não tem cor. A tua cor que não tem cor é a cor de tudo o que tens, tudo o que sentes, dás, e recebes. Não é branco, não é preto, não és dali, não és daqui, hoje podes ser da cor do perfume deste, ou igualzinho a tinta dos beijos da outra.
Cinco anos, cinco dias, cinco meses, cinco segundos, cinco minutos.  A cor das coisas é da cor da ampulheta. Não és dele, nem dela, és da cor deles enquanto fores dessa cor: que não é preta, nem branca, nem vermelha, nem amarela, nem…

terça-feira, novembro 20, 2012

Aos Outros


Mesmo que abortes qualquer momento,
mesmo que sem intento,
até mesmo em tormento,
celebra-te até amanhã.

O depois de hoje devorará o hoje e será hoje.
Hoje viverás sempre no hoje.
Hoje és tu,
Hoje.
Amanhã serás tu,
e quando essa pedra te bater na cabeça pensarás:
bateu-me na cabeça, hoje.

Hoje és livre e amanha também.
Hoje está e amanhã hoje será.

A mim nada devo que a ti não tenhas,
que a ti não tenha,
que de mim não venha.
Só assim entenderás porque não podes entender o céu.
Oh! O céu e as estrelas e tudo o que pensas ser natural de mais para isto.
Celebra-te no pequeno,
festeja-te sem ressentimento,
aumenta o processo.

Perde balanço.
Os ouvidos descaem.
O prato desvia.
A balança cai.
Hoje, Hoje, Hoje, sempre hoje.

Dirás: Sim, tens razão!
Gritarás a todas as casas,
a todos os muros,
a todas as pessoas prometerás.

Promessas, promessas, promessas,
atas-te  e a ti jurarás.

E amanhã será hoje,
porque sempre é hoje e o presente sempre está.
Mas triste não vais estar.
Porque tens o céu, as estrelas e tudo o que pensas ser natural de mais para isto.

sábado, novembro 17, 2012

Fugiu para a Austrália

Epah escreve coisas mais giras

Tudo bem, a sentença “os opostos atraem-se” é uma da qual não gosto, mas se há tão tenebroso, também 
deve dar para um subterfúgio de meio riso. Aí vai…
Era uma vez um texugo, mas que também era pinguim  fruto de uma noite sexual surreal entre os dois animais já chamados à história. À partida a génese genética era propícia a uma dose de elevada anormalidade, o que veio a suceder quando o texugo/pinguim e uma guerrilheira se apaixonaram. Depois de enfrentarem um exército de monstros, numa disputa que envolvia também o reino das girafas, ela desapareceu e fugiu para a Austrália, bem devagarinho, sem ele reparar em cada passo que ela dava.
Está contada uma história gira. 

Toma. Não tens de quê.

sexta-feira, novembro 16, 2012

Foste


Sem apelo nem agrado,
ou reforço do emaranhado,
ensanguentado e vislumbrado,
estupefacto e estupidificado sentimento,

foste.

Nada há que surpreenda do que não chocar,
O estar a espera destrói os tímpanos de qualquer um,
Mas o que é melhor,
podes-me dizer ?
Esquecer o passado ou saber o futuro ?
Nenhum, quando o presente é fosco.
Morreram as esperas,
os tais antes e ansiosos até's,

foste,
nunca mais vou ver as tuas unhas cravadas em flanela.

Quarto


O quarto está branco e baço.
Desculpem, o quarto é mesmo branco
 e baços estão os meus olhos acordados agora.
Cheira mal e os cantos são enfermos,
ressequidos de velhice,
 merda,
 musgo
e algo da cor da ferrugem e do mel. 
O odor a fel enche toda a divisão,
 sinto-o cá dentro, não preciso de o cheirar,
não preciso que ele exista.

Se eu enfiar o braço pela garganta e tentar,
com as unhas,
 raspar os cantos do quarto,
eles continuarão sujos.
 Sangrarei.
Será uma carnificina auto infligida.
Sem rodeios, sem pensamentos.

Fecharam-me aqui.
 Tenho fome e preciso de tinta.
 Estou sinceramente farto de esperar
 e seria demasiado óbvio e preferível pintar as paredes de novo.
 Ao fim ao cabo quem pinta as tuas paredes?
 as minhas paredes ?
 Cada um deixa acumular o que quer,
cada qual vive se puder.

#1


A quem deixarás o testemunho ?
Sim! A quem guardarás esse trágico destino,
essa lembrança fogosa de te substituir?
Talvez fosse melhor redigir um testamento, dirão.
Mas as melhores heranças não são dadas,
nem são heranças,
são pré estabelecimentos de ordem e de caos.
E tu, a quem os deixarás?

O deslumbramento voraz das palavras,
tão embelecidas pelo acrescentar consoante,
é vogal no que toca a direcção do que queres deixar para trás.

As melhores heranças não são heranças
e dizer melhor já é explodir com o suposto.

E andar em frente.

E o facto de estares exactamente no mesmo sítio.

domingo, outubro 21, 2012

Capítulo


Foi quando se viu encurralado pela última vez. Não que tivesse sido a vez final, apenas mais  uma, a última até então. Esperava ele que fosse assim, pelo menos, se saísse dali, com mais ou menos graciosidade, a plumagem de vitória pareceria apenas uma árvore quase desfolhada.  Antes poucas folhas que nenhuma, afinal de contas o Outono é o equivalente aos dias de escolha que temos durante a vida. Atrevo-me a concluir então que o Outono é mesmo semelhante à vida, neste caso ainda mais acinzentado, a chamar chuva, a pedir chuva.
            O Sol é quase blasfemo para quem odeia a vida, tal como a época em que ele aparece, é um encanto tão naturalmente forçado que é maçador. Tudo perde o mistério, as ruas parecem todas amarelas e laranjas, os homens mostram as barrigas, as mulheres bonitas perdem o mistério e tornam-se apenas objetos intocáveis, séries de curvas dérmicas de presumível prazer e perdição, mas sem qualquer mistério. Sem nuvens, sem Outono. O Verão não tem Outono e é por isso que é uma merda.
O barulho dentro do autocarro era infernal, mas a orquestra amotinada na sua cabeça era mais audível que qualquer desgraça, não seja ela uma desgraça também. Alheado dos encontrões e da aceleração citadina, voltou com o rabo à cadeira por dois dedos de tempo. “Quem é esta gente? Para onde vão? Qual é a sua história? Que cara de mim observam elas?”. Cara. Era um conceito interessante para ele, olhava-se ao espelho e questionava-se se as outras pessoas viam a mesma cara. Interessava-lhe estabelecer uma dinâmica ou um postulado, cientificamente comprovado, sobre a matéria. «A cara que vemos é a cara que os outros vêm?». Não era pretensioso, nem metafísico, nem filosófico, era tão simples quanto a frase que define a ideia. Tal como tentar perceber o Big Bang, e aquele pequeno pormenor que sempre o incomodou, de que para não haver nada tinha que haver algo, existia este problemas das caras. Não sabia se a sua cara era a que era vista pelos restantes, o que eles achavam dela. Porque seria um ser tão repugnante para o sexo oposto sem qualquer escolha, dado que o fora é aleatório. Esperava, durante essa viagem de autocarro até à entrevista, poder observar a cidade, como gostava. Pensou até em sair paragens antes para ir a pé, algo que lhe enchia os pulmões do ar dos outros. Mas, para variar, absorveu-se em ideias próprias e salteadas de acontecimentos: reais e imaginários, possíveis e impossíveis.