sexta-feira, junho 28, 2013

A lua

Por vezes sinto que a lua está em todo o lado

este calor estúpido e desnecessário lembra-me dela
que também não gosta dele
como eu

não vejo a lua faz meses
reparo nela todos os dias
na minha cabeça
vejo-a tão bem ou melhor do que em pessoa
até porque se a visse de perto ficava sem ar no meio do espaço
se lhe tocasse o vácuo de recíproco faria a minha cabeça estoirar

a lua não tem classe nenhuma
é inclassificável
musicalmente irrepreensível sem saber
simplesmente está no ar
não se ignora

as coisas vão passando
não sou lobisomem para sempre
espero eu
mas a lua
cheia ou não
é mais sensual que todas as mulheres
o seu silêncio mais abrasivo que um rugido de leão

por vezes sinto que a lua está em todo lado

quinta-feira, junho 27, 2013

cessar de existir

Cessar funções
sem repercussões
fazer parar a bomba de sangue
sem ninguém saber
estremecer
ou então fazer a bomba de sangue disparar
mas pele fora
aí sim até parar

distrair para fugir
que ninguém saiba quem sou
que não tenha pai nem mãe que me conheça
sofrimento desnecessário

suicídio é um nome feio
não tem nada a ver com isso
é mesmo encerrar portas
fazer o que é melhor para a equipa
para mim e para ele
uma cabeça pensa sempre melhor do que duas
somos um par imparável até ao dia em que tenhamos coragem de usar

Viver é Fodido

A ternura do meu corpo
por estar a foder a minha vida toda
o tenro da carne depois de dura
do escanzelamento já maduro
de tudo o que só foi puro enquanto não pensei
não senti
só vivi

mas só viver é fodido
e as asneiras não são para parecer rebelde
não o sou
viver é que é mesmo fodido sabem ?

e o amor é bonito
eu sei
admito-o e gosto dele
mas onde está ?

emagrecer só por dentro
de sonhos nunca
mas de felicidades sempre
sempre a esmorecer
sempre sempre sempre
como se sempre o mesmo
como sempre a mesma merda
almoço os mesmo estilhaços de mim próprio
porque acordo enjoado de me odiar
e de terminar as horas de sono e sonho
onde tudo vale
onde nada conta

relações necessárias / foice

Vou enclausurar nas relações necessárias
o senhor da fruta
a senhora da loja
a senhor professora e o senhor doutor
o senhor pai e a senhora mãe

as demais não são mais do que planícies de sentimentos
vastos e vastos campos sem nada
de inimizade em inimizade
menos falso a cada falsidade
mais verdadeiro a cada verdade
e o plausível de tudo ser dor

para pânico chegou eu
para morte chegamos nós
eu e tu
dona da foice
que já me auscultaste e levaste por dentro
deixando a carcaça para os outros verem

os mortais dão-se pelo espírito
ligam-se pela alma imortal
receptáculos vazios como eu só fazem eco
não dão sopros a ninguém
não beijam o ser de quem se poderia transmitir

por isso gosto de agora ser invisível
aprendi a amar o não acima de tudo
mesmo que odeie  a dor e o sofrimento
mas do que seria sair à rua
se não saísse nunca
porque a foice levou-me tudo o que poderia interpretar

para mim e para comigo

A disparidade de momentos é uma loucura
as sensações
as cores que vejo
a vontade extrema de encostar a lâmina
o cano à boca
a corda ao pescoço
a vertigem final e o muito
mas muito
engraçado jogo de pés antes de ir dormir

indiferentes são as comunicações
não para mim
para comigo
o pânico e o medo da falta delas persiste
não para comigo
para mim

é só fazer
só sair à rua
mexer as mãos

o caralho é que é

se é preciso puxar pela cabeça eu tomo-o como literal
sôfrego puxo a minha carroça de nãos e nuncas e afins
enfim que nunca estive só
finalmente estou completamente por mim

não me satisfaz
não é para mim
é para comigo
que todos se fazem de chão

é para mim
é para comigo
que estou aéreo
mas enraizado de dor e farto

segunda-feira, junho 24, 2013

Estória, parte 1

“Podia ser mais grave.
Ao fim ao cabo apenas não sabia onde estava.
Passei a mão uma pela outra, pelo peito e pela cara. Procurei feridas, olhei-me na primeira janela que encontrei para semicerrar um reflexo encadeado pela luz forte do sol. Não, também não tinha grandes feridas na cara. Pareceu-me na altura que permanecia fisicamente normal, só vi a marca no pescoço algumas horas mais tarde. Já chegarei a esse momento. Aliás, não é importante o quando, somente que, a dada altura, dei pelo desenho preto um pouco abaixo e atrás do lobo da orelha.
Visto que estou a escrever em pedaços velhos de roupa, guardanapos e pequenas folhas que vou guardando, não será plausível que alguém chegue a saber de mim, desta história, de como vim parar a este cubículo de onde não saio faz já algum tempo.
Ao 25.º dia deixei de contar, fartei-me de riscar os braços com o único pedaço de vidro que uso para ver o adiantamento das mudanças da minha cara fustigada, e do desenho, da mancha que vai alastrando pescoço fora. Além disso, e como para a maioria das pessoas, presumo eu, sangrar de cortes autoinfligidos nos braços não é exatamente a sensação mais ejaculatória do ser (da maioria).”

Isto fui eu que escrevi, dividido em retalhos como já expliquei. Isto, que eu escrevi, estava transcrito para um pedaço de papel, por ela, à mão.  Encontrei depois todos os pedacinhos onde tinha escrito algo. Ainda hoje não me surpreende que ela tenho conseguido montar o puzzle das minhas memórias curtas, mesmo em pedaços de roupa sem cor, sem tinta, sem nada. Ela conhecia-me, e pelos vistos ficou a conhecer-me mesmo depois de eu partir. A mentira não obviou o que já era por mais real, mais que o ar. Erámos mais que o sol. Mais verdadeiros que a própria verdade.
O que se segue, é exatamente o papel que encontrei e tirei das suas mão frias, hirtas e sem vida. O que se segue cospe claramente o porquê de estar a contar uma história: as histórias por acabar…

“Não é pela tentativa de utilização de mais e mais letras que conseguirei arredondar os bicos desta história. Da minha história. Assim ela não aconteceu, pois o mais correto será que a conte tal qual sucedeu o meu desaparecimento. Sentir-me especial seria um erro grosseiro e crasso, um tapar da noção, a retalhos desde sempre, que a morte é igual à vida.
E embora seja muito mais fácil dizer isto do sítio onde me encontro agora, a verdade é que os que ficam choram-me, ele incluído, claro (por mais que vá encontrando outras mulheres que só consegue magoar), e isso custa-me. Mentiria também se dissesse que não me estremece o estômago saber o que ele faz, o abandono que ele deu a si mesmo.
Habituei-me, porque não escolhi saber. Sei que ele partiu no primeiro comboio a seguir ao enterro. Deu-me como morta, porque assim lhe disseram, porque foi assim que desapareci.
Iniciei este relato com a promessa de não enrolar o que à partida me parece fácil e limpo de contar. Assim o tentarei. Hoje a Senhora D. fez-me pizza para o almoço e em vez da televisão, os meus olhos alcançavam, janela fora, o antigo cinema. Tendo os olhos e a cabeça em recordações, nem consigo sentir o sabor da refeição.
Amava-o  (amo-o) tanto que nem conseguia sabore...”

O coração parou de bater antes que ela pudesse acabar a frase, a história, antes que se pudesse despojar um pouco da dor dos dois. A doença já a tinha levado antes, mas sem a matar. A doença levou-a quando eu a encontrei, antes que lhe pudesse falar, tocar, aperceber-me do seu reaparecimento. A doença levou-a depois de nos olharmos, e esse olhar brilhou mais que o sol, foi mais verdadeiro que a verdade, foi um despojar da dor dos dois, um obviar (tantas vezes usámos esta palavra entre nós, mas nunca através de nós) de que não iriamos efetivamente estar os dois, vivos, ao mesmo tempo, no mesmo espaço. Nem mesmo depois de todas as vezes que voltámos dos mortos.
A última coisa que os olhos dela viram foi o meu braço cheio de cortes, fundos e feios, tal como funda e feia ficou a cara dela quando perdeu a expressão de beldade que acarretou tantos anos.
Após o tempo passou consigo resumi-lo assim, despaixonadamente curto, mas assim é a verdade. Tantas voltas que demos a pensar que um de nós estava morto, e por isso, já não havia sítio para ficar dentro de nós próprios.

O resumo foi o que já vos mostrei, e para mim o mais importante, porque será o único dos momentos em que posso falar dum tempo presente dum passado que aconteceu mesmo. E  é o mais importante porque será o único aglomerado de palavras que descrevem um momento em que estivemos perto, e em que portanto o mundo todo rodou e caiu pelo universo fora, sem gravidade, e fiquei só eu e ela a planar. O reencontro de segundos um pouco antes de prestar contas a Caronte.

segunda-feira, junho 17, 2013

Exclusão

Perdi tudo o que queria fazer
ou seja
deixei de ter algo antes de ser efectivamente quase meu
mas essa é a história
coisas
pessoas
tempo
pelos dedos como areia
um chocalho de cabeça que nunca pensou bem

tudo já foi embora
amigos e conhecidos
as minhas aptidões sociais e o saber falar
devia voltar à primeira classe
para reaprender a falar numa mesa

depois da minha auto exclusão
são os outros que me mandam embora
e quem os julga ?
faria o mesmo
para párias nada menos do que a morte
e com justa causa ninguém se dirige sequer a mim
ou foge mal se apercebe do chinfrim
da casa a arder enquanto olho
o fogo reflectido nos olhos
sorriso sádico de quem só finge
e finge para ter alguém consigo

bastam dois segundos para me saberem de cor
para o disco riscado ser pior do que tijolo partido
(o desinteresse anda com o óbvio ao colo)
e todos já
(depois de terem assimilado o meu ódio)
sem excepção
me chutam em cacos para os tapetes de mofo da minha ignorância e morte

Folhas Ruivas

Correndo
correndo e esperando
simultaneamente com todo o sentido
e como és tu
com todos os sentidos

mas não espero nada
entre o que sei e não sei reconheço muita coisa
o que lá vai
quem já terá passado
o que se irá passar
e assombra-me essa ausência de saber o que fazes

não será a questionar o que sinto que algo mudará
os ventos e as folhas e o tempo de outono nunca mais virá
o meu outono
tu
as minhas folhas ruivas para me deitar
as minhas folhas ruivas caídas que me amortecem
as minha cama de pele
o tornear de tudo o que é teu

domingo, junho 16, 2013

Rimas do fim da vida

Se alguma coisa regulasse
com punho de ferro
o que se passa nestas quatro paredes

porventura eu entranhasse
mas ao invés eu espero
que me apareçam as vontades

se as rimas fossem também reais
e tão fáceis de fazer
como encaixes fáceis de fins de palavras

se eu apanhasse às tais
se eu deixasse de morrer
se parasse de limar para o meu enterro as estacas

o fim da vida é claramente sem ritmo

sexta-feira, junho 14, 2013

Falas só de andar

Tenho saudades de te ouvir falar

como estará a relva que procurávamos ?
os sítios que não encontrávamos para estarmos sós continuam sem existir ?
não quero que me respondas
efectivamente estará tudo na mesma
menos nós
mas quero que fales

pelo que me lembro
e aposto a minha vida em como nada mudou
tu eras música
andavas e tudo o resto abrandava
como um filme
em que apenas tu tinhas uma velocidade diferente do resto
sempre terás
e serás
eras e és música
pelo que não preciso que fales para te ouvir
apenas de te ver
pronto é isso
preciso de te ver
preciso de te ver antes de ficar surdo

quinta-feira, junho 13, 2013

Que se fodam todos

Que se fodam todos
os populares e os acanhados
quem mais respira ou que mais aufere
o que mais ambiciona sem sentido

era morrerem todos duma vez
efeito dominó
ficar só eu
sim

ficar só eu
era bem mais fácil

mas as ajudas têm limites
e pena que não me possa ajudar neste caso
eliminar toda a gente
esfregar-lhes a boca com detergente
calar quem me poderia dar aso

quarta-feira, junho 05, 2013

Humilhação Caseira

Até os de cá
os daqui
o único sítio onde podia ser primata
primário e ordinário
mais do que falso feliz por vezes
vejam lá

até aqui isso já morreu
e eles não são o que eu poderia ser com eles
nem cá já existe essa mentira
e volto a casa humilhado
vazio
apenas com letras juntas e palavras alinhavadas
explicando atrapalhado o que sinto

o que sinto cá já
na minha casa
na minha terra
na minha terra
no meu quarto
na minha terra
eles juntaram-se aos dos prédios

e o que sou ?
miserável
nada muda isso
nem os de cá
floresce com a humilhação
a atrapalhação
a falta de nexo e inteligência que apresento em todo o lado

segunda-feira, junho 03, 2013

bicéfalo

Sonhos de duas cabeças
pensam melhor que um braço
suspiram magicamente como uma acção
se a deslumbrante corrida em que ajoelhados rastejamos
não fosse uma triste rotina de alterações de destino

duas cabeças pensam pior que uma
que uma paisagem não existente
pior que uma rua cheia de lixo
nós
que temos duas cabeças
somos piores que bichos