sábado, abril 27, 2013

Eu e o calor - I II & III: comboios, animais e ódio


Um potro a correr dificilmente equivale comboios
as carruagens passam e
no máximo
brincamos nos carris tipo salta pocinhas
ou outra expressão maricas que o valha
está sempre quente assim e aqui
e os verões escapam-me pelos dedos
principalmente aquele que não suporto
todos
a areia veio-me para os olhos e passei a odiá-los
como odeio espelhos
tudo faz sentido assim
só espero que não me acabem os comprimidos entretanto
porque este potro corre em corpo próprio
sem espírito ou entranhas

mais merdoso que o calor só o pré-calor
a ânsia de felicidade que socorre toda a gente
não me traz mais do que vontade de não deixar passar o comboio
com o meu próprio dorso pequeno e pernas que não andam
ouço chamar da cama
morro de sorte
morro de amor
temo e tremo pelas patas abaixo
mijo-me pelas patas abaixo
desejando que esse ácido fosse eu
dissolvendo-me até ao chão
até ao último casco

a partir daqui sou um porco espinho
uma árvore de pontas
semente amorosa de ódio sediada na raiz
odeio o sol
o calor
a água
odeio o meu corpo porque não tem espinhos que o escondam
já não sei que animal sou
apenas que como humano já não existo há muito
um potro com espinhos com dor de pessoa
e alma que faísca nos carris
e vai arder com o sol
combustão até à exaustão
até a terra me comer
come-me já oh planeta
que não valho as silvas que piso

sexta-feira, abril 26, 2013

palhacinho, parte 2: número do pescoço e a corda


não lhes chamos poemas
são palavras
palhaçadas de quem não tem nada para fazer
literalmente
um palhacinho de lágrima sem piada e flor

já me rendi a mim próprio
era tudo ou nada
e nada
nada para fazer
atribuir um nome é simplesmente estúpido
são letras que formam palavras
são palhaçadas
pois para quem a vida não é nada
dificilmente se encontrar algo mais fácil que se incomodar quem é vitalidade
até à exaustão
não regressão
até me odiarem

as pessoas têm vida
trabalhos
conhecem pessoas
têm piada
têm sexo
amigos
conhecem pessoas novas todos os dias
tu nem  todas as décadas
têm-se a elas próprias
não tenho nada a ver com elas
que vivem

corda
número irrepreensível
aplaudam por favor
é o número do pescoço

serrar os dedos

vou cortar os dedos

as fórmulas drásticas
redundantemente
são as eficazes
e assim resolve a questão pela raiz das pontas dos ramos
sem extremos nas mãos não escreveria isto
ou falaria contigo
porque
mesmo merecido
seres-me  a coisa mais bonita de todas as coisas
enquanto és o que mais chama para me queimar
é incalculavelmente berrante no negro

que culpa tens?
nenhuma

vou serrar os dedos
bem devagarinho

porque se as palavras são o que ouves
eu não quero falar que me lembrei
que te matei o peito sem limar as unhas

o que mais me passa na testa
o que mais me dói no estômago
a ambiguidade é rápida de mais
para a ausência da minha falta de controlo

volta aqui e tira-me a serra antes que seja tar…

quinta-feira, abril 25, 2013

palhacinho

avermelhasses tu o nariz
de certeza serias um brincalhão
agora assim
sem adereços
sem ser a tua fraca figura
és apenas um palhacinho
e nem gostamos deles
um dia explicamos quem somos
já o prometemos
basta saber-se que não gosta de mim nem de ti
e eu igual
somente palhacinhos
sementes de ridículo num mundo que é tão mais pior
que prepotentes por sermos tão importantes
(para nós próprios claro)
mas se te queres sentir assim
deixa-te estar
tem dado muito trabalho fazer-te sequer tentar
como uma bolha
um tentar guarda-chuva
não almejas um caralho na verdade
deixa-te estar despintado
continuas a ser um palhacinho imundo e triste
metes pena e metes nojo
e não metes nada no mundo que seja útil
já pensámos em cortares o pescoço ?
deixa-te estar
eles que se riam e engana-te e pensa
que se riem para ti

quarta-feira, abril 24, 2013

ainda falta tanto


abandonaste os outros
antecipadamente por leres nas mãos
que eles te abandonariam a ti
ou assim pensei
já não sei se usar um dado adquirido é batota ou não
e se sendo se pode chamar adquirido
mas é certo que foi assim
é assim
não vale a pena discutirmos
fizeste de propósito
como nos manda a nós o ser
nada mais somos do que velhacos gastos pelo tempo que ainda falta
e tanto relógio que ainda falta
que por elas já nem damos
se nos dói
se dói por doer
as duas dirás
concordo porque não me apetece pensar muito nisso
dói

casamento sem


Impassível face ao apocalipse
lógico
era tão anunciado
sempre o foi
vou-me por em aventuras
nunca fui disso
e agora uso este verso para rimar com amarguras
como se já não emparelhasse com o azedo
de aliança e tudo
para sempre e até ao fim dos nossos dias
mas sim
mas sem
com meias palavras torna-se complicado
principalmente com afirmar
é insustentável
agora sem
sem é outra história
porque a falta de
é sempre a história

e então adeus


é uma espécie de amor
e então adeus
mas como é que vives assim ?
na toca
no buraco da árvore a que chames por ti
para ti
a que chamas tu
muito gostar do outono isso
de ser sempre desfolhado e amarelado
cor de merda
não te esqueças de espreitar amanhã
antes que te apanhes
pois mal te agarres
acabaste
e então adeus

segunda-feira, abril 22, 2013

não me falem


não me falem
ou esperem que diga algo
nem sorrir

aguardem por cantares
de que não saí de casa
ou eventualmente alguma vez saído de mim
a bizarra rotina de acordar abraçado a meus ossos
a braços com os meus olhos
que rebento com as unhas

não me olhem a pele
a menos que se goste de um pouco de tinta
que não engana ou finge ser libertina
do calhau seco que só afirma

aguentai um momento por minha forma
mais verdadeira
seca
e suja
não poderia ser
continuarei a ser fiel a quem me raptou
e a incessante e caminhante foice
ceifando-me todas as faces falsas
e agora não resta nem uma
só a nua e crua
incandescente vaidade de fel e maldade cristalina



sábado, abril 20, 2013

Umbigo, desprezo pelas estações do ano

Calor é imundo
sai imune  a pele
todo o complexo de não querer
nem a luz nem o sol nem as pessoas
apesar de aparecer e parecer loucura em todo o lado
não quero e não deixo
pois não consigo
e só o meu umbigo
atrai a minha triste atenção
triste intenção
infligida por outrem
ficar sozinho
primavera

terça-feira, abril 16, 2013

Feira do Livro-me de ti


Enquanto as palavras forem o meu único refúgio
as pessoas cada vez mais alérgicas ao meu enfermo
e a minha falsa simpatia seja um granizado
adocicado que se derrete nele próprio
num estalar de dedos
enquanto assim for
continuarei a passear entre as bancas
entre as páginas
os vendedores de almas
do meu espírito
as guardadoras do que já foi o meu prazer
anestesiadas pelo fim da ilusão
passei e ignoram-me
sussurram-me
“livrei-me de ti”
gritas-me
“livro-me de ti aqui e agora”
e merecida é a forma
se no prato oposto vier a (minha) falta de conteúdo
ando e ando pela feira
bancas, páginas, pessoas
todos cravam os olhos na minha roupa e sinto-a a queimar
e com ela os pelos um a um
a seguir virá a derme
continuará a feira física que de alma estou despojado
“livro-me de ti”
arrancas-me de ti manejando-me como mais um item
sem sabor especial
sem feliz final
apenas a corte que te deliciou
e os cortes que te abriram as retinas
pelo que o único pedaço de espírito
são enfim
as reminiscências ao segundo do meu existir não se livrar de ti

domingo, abril 14, 2013

Arte&Eu


A preto e branco, a cores, sempre gostei de filmes. Leves ou pesadas, sempre gostei de letras pretas em papel branco. A adoração não tem como norma o efeito, e nem sequer o sentimento positivo que possa parecer a priori. A arte tem arte de me fazer sentir vivo, fazer rodar as engrenagens, nem que seja para me sentir vivo, mesmo continuando a não viver e ter medo disso. Alimenta-me o medo de cessar mesmo pensando nisso a toda a hora. Dá-me ideias para combater o desespero, ideias essas que se tornarão também frustradas e desesperadas, mas que no momento em que nascem são pequenos enganos que alimento por dentro. Chamem-me indulgente. Não o sou em perdoo, apenas em complacência e hipocrisia.
                Ter com que filmar não nos faz cineastas, ter uma guitarra não nos faz músicos, ter mãos não nos faz escultores, ter palavras não nos faz escritores. Isto tenho como certo, e uso-o sem vergonha para explicar que não consiga explicar como quero, quanto mais cativar. Ter-me e ter com o que trabalhar-me, não faz de mim ninguém.
                Agora é um momento pós-arte. Uma daquelas ideias que já falei, o milionésimo planeamento para o meu aparecimento. A minha vida não é um filme, antes fosse. Afinal de contas só desejo o simples: saber fazer algo, ter alguém que me passe a mão pela face, que me olhe e das minhas vistas saia uma luz que confirme a minha satisfação com os factores que já apontei.
                E se esta é uma das tais ideias é também um conjunto de letras, um molho de palavras que não consigo usar de forma fluída, ousada, bonita. Uma coisa que eu gostasse de ler.

sexta-feira, abril 12, 2013

Conclusões de retina e rotina


Não querendo ser faccioso
admito
que odiando o sol e o calor
existem dias que ficam menos feios
por obra dos supra citados

os pássaros cantam
neste quarto só existem borboletas
quer dizer
dentro de mim
no quarto além de mim
só existe o cheiro a podre

a inexplicável sensação
de se ser incapaz
e incapaz de se explicar a sensação
toma conta das vigas do corpo
e assombraria a personalidade
se a tivesse

Olho em volta e vejo tudo
nos reflexos não existe nada
frustrações imortais de sons e palavras
desejos carnais de enfiar coisas na pele
no corpo
até espremer toda a vida
e a saciar a vontade de destruir tudo o que me passa pela retina

a conclusão não é famosa
não muito mais do que se para lá não fosse precisa coragem
e os desejos sensuais de morte e corte
testar a pele e os ossos
e quanto sangue escorreria
e saciar a vontade de parar tudo o que eu gostava que fosse rotina

quinta-feira, abril 11, 2013

A sair do metro


O betão exterior
tão belo sendo ele a nossa época
é urbanização que se respira nas entranhas
enfiou-se nas pessoas como lombrigas
estou a sair do metro
sem rumo
com a cabeça completamente cortada do pescoço
ao parar reparo que só eu paro
a manada conluie-se
pisa o mesmo chão
e a marcha e o ritmo da batida
tudo me fode a testa
eu vou só sair
mas para onde?
questiono cada cara cada vida
quem serão estas pessoas ?
porque só eu parei ?

quarta-feira, abril 10, 2013

A quantas ando / James em Trieste


Ela
Eu ?
Eu nem sei a quantas ando
quanto mais a quantas andas

Eu
A noite é terna
e talvez isso ajude a atenuar a exaustão
facilmente a vida se torna vendida sabes?
a tua não
és música
mas a minha é entorpecida
e silenciosa desde que perdi a calma

Ela
Podes vir
há uma cama na entrada
longe

Eu
Sei rapidamente a quantas ando se me falas condescendente
a mecha ateia e fico sempre a ferver
e não vale a pena acreditar
já passo a vida a ver vultos que nem os sei distinguir do que é
não me convides a ver mais irrealidades…
Não tens nada para me dizer e eu tenho tanto para te contar
que uma conversa seria desocupada
A noite é terna
mas é escura
Se algum dia fores a Trieste
vai falar com o James
gelado negro e quieto como a noite
a mesma a que ele chamou a terna
pode ser que ele sim saiba dizer-te o que é o amor
e como a riqueza dele está na pobreza de explicações
pode ser que ele te explique como a noite é terna
macia
calma
como tu
se um dia na tua vida parares à frente do James em Trieste
pede-lhe para te falar nós

segunda-feira, abril 08, 2013

Coração, Vermelho, Luz


Mesmo não tocando coisas negras
gritem a agonia que gritarem
todos imaginam que ferir um olho cega
o coração como conceito hipotético
pelo qual nutro a maior das considerações
é a vista que ferida não vê mais que a luz em baixo da porta
e se isso não importa
não sabeis por onde viver
e que essa luz salvará.

Não sei quais são mais tristes
se os que vêm a luz ou os que a deixaram fugir entre dedos
sem ter espirito para encaixar tamanha liberdade

Eu sei qual deles sou
e as luzes torturam
imagens persistindo do que foi e podia ter sido
vermelhos e escarlates do insucesso vascular
poderia dizer
mas seria falso
são mesmo vermelhos e escarlates
de sangue
de saudade
ver sem ver
não conseguir esquecer

e
reduzidas as hipóteses de lutar
serão mesmo só vermelho para recordar
que todos temos de aprender eventualmente

domingo, abril 07, 2013

Identidade


Sou em mim uma ilusão de párias
sugando a quente o queimador fervente
ligando em veias a dor escaldante
cosendo unicolor o ser demente

identitária luz do aquém lidar
do saber espécie e do não saber poupar
aos outros e a mim a dor limar
aquém de mim ninguém ajudar

transformarei aqui ainda mais parasitas
cor de fogo e dor tudo
lago seco no fim do mundo
correntes de nada num nascer sem fundo

terça-feira, abril 02, 2013

Campainhas Gasolinas


Trim Trim
Olá
Eu sei que estou sempre a tocar a campainha
não me impeças de chamar a mim o foco
já que o enfoque é só queimar vivos
só digo isto para não causar choque
para não dizer morte
chamar a porta com um dedo na campainha
com a outra mão já cheia de gasolina

fósforo.
atenção que vem aí o fósforo.
irra que falhei a mão

não acharás que me falta pontaria
mas sim excesso de ridículo

concordarem comigo alivia-me o cheiro a inflamável
diluente que me negra os olhos
impede de respirar
rasga tinta por cima de tinta por cima de máscara repintadas como um colibri

Traqueia, Vidros, para baixo...


Já não sei por onde me perder
o que partir
o que espetar no estômago
de que pedaços de vidro a minha mãe sentiria mais saudades
se os levasse entalados na garganta

Partir tudo apetecer-me-á
e amanhã também
quando acordar e vir que continuo com o prato limpo para a aveia

E depois ?
A carteira abrirá à procura de apenas causar mais dor
ou a ansiedade acaba em cucos ?
e os vidros em cacos
pelo corpo abaixo
a expeli-los inerte

Inveja-Morte-Sorriso


Embriagado com desuso e sede de roubar. Roubar sonhos dos outros, tudo dos amigos. Cego de inveja, de luxúria, de cobiça pelo intangível, com raiz na encenação diabólica de não ser assim tão tão. Mas tão tão ? Sim, tão tão… Apenas mais um orgasmo fingido, um mole e repelente enxerto de inércia e pele num não corpóreo tão odiável.  Inclinação constante do cansaço do mal e da morte, da vida e do filho da puta do sorriso estático, amarelo, queimado e cosido, bem devagarinho, com agulhas ferrugentas nas minhas bochechas. Todas as doenças possíveis, todos os contactos neutros. Mentiroso, todos os contactos nulos.

Punkietude


Inquietude que me estraga a digestão
alimentada ao ouvido por chinfrins
atestados do que criaria
puro e duro
modernices alimentadas a suor
a cerveja
e dedos ensanguentados de arrancar pele aos dedos
de crescer urtigas nas unhas

junta-te e vamos
até estragar
até partir
tentar deixar de ser velhos
içar a tesão da dissonância
concordância da distância entre o que excita a gente
toda a gente
inferno e barulho

segunda-feira, abril 01, 2013

Privação/Não

A privação de ter almejo retira-me o estofo para dormir.
A privação do sono retira-me a vontade de sonhar.
A privação do amor próprio faz-me sonhar acordado.
A privação da realidade retira-me os toques.
A privação sensual relembra me a privação do almejo.
Não ter sono não é dormir.
Não ter sono não é foder.
Não ter sono é não saber equilibrar as contas.
Não saber parar o não.
Não saber o não.

Nervos


Estou em nervos
não por algo em específico
meros mexericos e espasmos mentais
divisões maniqueístas egoístas e falsas
esventrando o conceito

Sem palavras rechonchudas
digo
parece é que me estão a esventrar a mim
os nervos são uma correria tresloucada

Sem frases dóceis
e tacto
para a alma e os braços
deixei de arrendar os espaços
e os parcos laços em que ainda me enrolava nos olhos

Volúpia desaparecida
tristeza admitida
andar das carruagens que já só levam quem andar em frente