Perdi todos os laços, vês ? tudo o que me ligava aos outros,
e que nunca me ligou a mim. Nos ouvidos trago sempre sons do que não criei. Nos
pelos que arranco do corpo trago imagens do inimaginável que me ocorre por
dentro da retina, nos sonhos dos sonhos impossíveis e da negação do ser. O
futuro. Os sonhos. O que nunca vai acontecer. A realidade passa-me as mãos, não
de uma forma suave, como areias, mas como pequenas agulhas que me fazem jorrar
sangue e me deformam os nervos e a carne e o odor e o sexo, e o odor a sexo, e
o sexo que não existe. E a única fertilidade em mim é ruim, talvez de nome, por
ser graça de fácil execução, ou por abanão dos órgãos másculos que de homem
nunca terei nada a não ser um nome, e tudo tem um nome, e se tudo tem tudo tudo
é tão banal. Como a vida e o mundo têm tudo e se tornam banais e o tédio te
sobe e desce como uma necessidade fisiológica incontrolável. Desabotoarei todas
as camisas, se para tantas mangas terei braços ensanguentados e mãos atrozes,
cheias de agulhas. Dor física. Escorre-me sangue na ponta dos cotovelos até ao
chão, hei-de falecer assim, lentamente, com os ouvidos cheios do que nunca criei.
Adoro a paixão e a não-paixão, ao ponto de sentir um extremo
e não saber qual é. Não me conheço e não parto o pescoço, porque visto camisas
novas todos os dias. Fora. Tecidos. Coisas que escolho, para me mostrar ou
esconder, não sei. Mas sei quem sou mesmo não sabendo, porque não sabendo sei
que tenho essa noção.
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