sábado, março 23, 2013

Retrato


Está sentado. Parado. Porque todos os movimentos que faz são representados por réplicas em vulto de si mesmo, que passam como espectros por ele. Por dentro dele. Pelo estômago, pela ausência de alma. Como fantasmas. São clones e falsos movimentos de alguém que não se mexe, de uma imagem que não vê, e que por vezes se entretém com essas sombras.
Está só.
Permanece no mesmo sítio há tanto tempo que lá fora parece-lhe uma imensidão do inalcançável. Com jeito será mesmo assim, e as paredes parecem à prova de fantasmas. Sempre.
A vidraça da sua casa dá-lhe a vizinhança da inveja que os outros lhe provocam, aqueles que, a seus olhos, alcançam o tal. Algures, em alguns dias, caem-lhe fotografias nas mãos, de um homem sentado. Caem fotografias nas mãos de um homem sentado. Chovem retratos de imaginações de inércia, replicadas contra paredes de osso.
Sente-se enjoado, como se lhe fossem dados a comer todos os retratos, como se a papel químico todas as suas opções (uma opção: estar sentado) fossem (e são) erros contínuos. Disfunções apenas separadas pelo andar da idade. E o que o andar da idade lhe dá, tira em compensação dos ponteiros, que não param.
Enquanto olho para ele, a poucos centímetros das suas mãos, ele continua sem reparar, e os espectros atravessam-nos a espinha sem perdão.

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